Ultimamente tenho iniciado o dia na companhia de Carne Ross e do seu The Leaderless Revolution, uma obra genial sobre a força que cada indivíduo tem para mudar o mundo. E dei por mim convencida de que ia mudar o mundo. Baby steps, mas ia. Um dos primeiros passinhos deu-se pouco depois de ouvir o comboio dizer a minha estação e fechar o livro. Entrei numa reunião. Ia falar-se de "mudança".
Falei sobre o que tinha lido - que a verdadeira mudança numa empresa implica a redistribuição de riqueza de forma mais justa: entre acionistas, administradores e colaboradores. Não é justo que os administradores ganhem, por mês, cinquenta vezes mais que eu e cem vezes mais do que muitos (mesmo muitos) colegas meus. E afinal, as empresas têm de perceber que, ao eternizar o sistema, matam o sistema. Os ricos não podem continuar a ser cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Ou não haverá ninguém que compre aquilo que enriquece os ricos. É tão simples.
Mas a resposta foi o medo. A minha conversa sobre "redistribuição" foi entendida como sendo sobre "expansão", quando tudo o que ser quer agora é "redução". O medo ali, palpável. A fusão entre empresas faz com que certas funções se tornem redundantes, e todos sabemos o que é que isso significa.
O medo, realmente, paralisa. Talvez tenha sido por isso que as minhas interlocutoras se apressaram a dispensar a ideia. A "transformação" que foram contratadas para fazer não inclui ("para já, para já"), redistribuição. Inclui bom ambiente, palmadinhas nas costas, bebidas gratuitas em fins de tarde animados, de dois em dois meses p'rai.
A língua em que Carne Ross nos escreve tem uma palavra para isso: bullshit. Mas as pessoas são assim. Vivem numa bolha. E as coisas más só acontecem aos outros, não lhes dizem respeito.
Eu acredito que (backspace, backspace, backspace) eu sei que podemos mudar o mundo. O estado da situação (ou a situação do Estado) deve-se ao mau funcionamento de empresas privadas e à usurpação do poder do Estado, através dos impostos, para as salvar da falência e garantir o estilo de vida dos seus administradores.
Ora, se o privado é a doença, também pode ser a cura. Foi nessa perspetiva que eu abordei as minhas interlocutoras, depois de ler os exemplos que Ross dá sobre empresas que resolveram redistribuir lucros de forma mais justa pelos colaboradores e tiveram crescimentos brutais. Acredito que quando dois ou três conselhos de administração se aperceberem de que, para continuar a ganhar, têm de parar e dar, haverá uma reação em cadeia que pode mudar a forma como se empregam pessoas. Maior riqueza gera maior consumo e os pobres de repente têm outra vez dinheiro para comprar aquilo que enriquece os ricos.
O problema já não é só político, é principalmente económico, é de gestão empresarial. Basta olharmos para a capacidade que os políticos de hoje têm para inspirar as pessoas (zero) e a facilidade com que certas marcas o fazem. Portanto é isso... claro que vou continuar a votar, a discutir e a denunciar certas situações junto do meu círculo mais próximo - no fundo, continuar a tentar educar-me politicamente. Mas as pessoas andam à volta com a política, como se tivessem um cubo mágico nas mãos e não conseguissem resolvê-lo por mais voltas que dessem - em quem hei de votar, são todos iguais, são corruptos, são mentirosos, põem para o bolso, etc etc... E eu acho mesmo que a resposta passa pelo Privado, pelas empresas. São elas que mandam no mundo (para já, para já...) Ignorar isto é, no fundo, o mesmo que fingir que, para transformar uma empresa doente por dentro, basta pintar as paredes e decorá-las com umas frases giras.