segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O casamento do ano


Portugal assistiu ontem ao casamento do ano. Foram gastos 500 mil euros para celebrar a união de um casal que vale mais de 500 milhões. Dezenas de polícias foram contratados para garantir a segurança da ocasião, fechando ruas e condicionando a vida das pessoas. O museu Serralves foi encerrado para dar lugar à boda. Uma ilha grega foi oferecida como prenda de casamento aos noivos.

Os meios de comunicação social, de um lado jornalistas, de outro comentadores em programas de entretenimento, fizeram a cobertura do evento conforme se esperava. Nos telejornais comentou-se o aparato policial e alguma insatisfação dos moradores perante o transtorno que tudo aquilo causara. Já nos programas da manhã, completou-se o esquema: comentou-se o vestido, a festa, as personalidades, mas, mais importante que tudo isso, amestraram-se as massas. Sobre a exuberância da festa disse-se que Jorge Mendes «é um homem rico e trabalhou para isso, tem o direito de fazer o casamento que quiser». E sobre as queixas relativas ao aparato policial, ou sobre as opiniões mais críticas sobre essa mesma exuberância, disse-se «a inveja é uma coisa muito feia».

Vale a pena perder dois minutos para pensar sobre isto. Jorge Mendes tem, de facto (e como qualquer pessoa), o direito ao casamento que mais lhe aprouver. Deve ser maravilhoso receber uma ilha, ter um vestido deslumbrante que ainda por cima serve de montra para a marca de roupa de luxo que a noiva acaba de lançar. Deve ser espetacular juntar 500 pessoas para celebrar o casamento, ainda por cima em Serralves. Nada contra, mesmo. Não fosse o facto de ser, também, um fenómeno de ostentação pura que, nos tempos que correm, é simplesmente imoral. 

500 mil euros é um valor a que 99% da população Portuguesa não pode aspirar a juntar ao longo de uma vida inteira. E foi o preço de um dia de festa. Deixem que este pensamento amadureça uns segundos nas vossas mentes. A ilha que foi oferecida como prenda de casamento pertencia à Grécia. Pensem sobre isto. Ter uma opinião menos boa sobre o casamento, e reconhecer o que ele representa para além do conto de fadas, não é ter inveja. É ter consciência social. É saber reconhecer a injustiça e a desigualdade brutal.

Ninguém pede (muito menos eu) que Jorge Mendes tivesse reconsiderado a pompa do seu casamento, só para não esfregar na cara de 99% dos portugueses que nunca na vida poderão aspirar a algo que sequer se assemelhe àquele estilo de vida. O que vos peço é que reconheçam que este é um sintoma de uma sociedade que está profundamente doente e que regrediu séculos no espaço de uma década. O capitalismo evoluiu (e continua) no sentido de um novo feudalismo, em que os Senhores têm cada vez mais e todos os outros, da classe média (inclusive) para baixo, têm cada vez menos. 

O que fazer em relação a isto? Há quem diga que a solução é nem pôr os pés nas urnas nas próximas eleições, porque "eles" são todos iguais e já nada adianta nada. Já nada adianta nada é o que os 1% querem ouvir das vossas bocas.  Eu digo que está na hora de abrir os olhinhos, saber digerir o que nos é passado nos media e na internet e separar o trigo do joio, reconhecer quando nos tentam manipular. É tempo de reconhecer que o voto útil e a abstenção só nos têm mantido na mesma situação de 4 em 4 anos desde que nasci, pelo menos. 

O medo da mudança tem beneficiado imenso aquele 1% da população que vive como Jorge Mendes. Se há pessoas que têm tanto, porque é que outros têm de ter tão pouco? Há partidos que se colocam essa pergunta. E não são certamente o PSD, o CDS-PP nem o PS. Está na hora de ganhar coragem e votar diferente. É tempo de perder o medo "dos outros" e de ver o serviço que têm para nos prestar.


A qualidade da educação dada às classes inferiores deve ser a mais pobre, de maneira que a brecha da ignorância que afasta as classes inferiores das classes superiores seja e permaneça incompreensível para as classes inferiores. Com tal incapacidade, até os melhores elementos das classes inferiores terão pouca esperança de se separar do papel que lhes foi destinado na vida. Esta forma de escravidão é essencial para manter um certo nível de ordem social, paz e tranquilidade para as classes superiores dirigentes.

in Silent Weapons for Quiet Wars