terça-feira, 29 de dezembro de 2009

she's got something you can never eat


Sempre que se aproximava o fim do ano, ele sentia-se como se estivesse a descer uma encosta a alta velocidade. Ou como se estivesse a fazer uma viagem de carro, sentado no banco de trás, enquanto ouvia música nos headphones como antigamente.

Os dias 28, 29, 30... a passar cada vez mais depressa... apenas para colidir numa repetitiva explosão de fogo de artifício, champagne e passas comidas de uma vez só, porque ele nunca se lembrava de acompanhar as doze badaladas.

Mas este ano a espiral parecia mais apertada, a descida mais íngreme... e quando olhava para o banco da frente via que ninguém ia a conduzir o carro.

Desde a partida dela, tão súbita e inexplicável e injusta, que ele passava a mão pela alma e não encontrava um espaço que não fosse rugoso, que não cheirasse a ferrugem e não soubesse a metal.

A vertigem do fim de ano fora antes um friozinho na barriga; agora era um buraco no estômago. E algo difícil de definir remexia-se dentro dele, um monstro que ele preferia não nomear, que deixava sempre para trás na viagem mas, mais cedo ou mais tarde, voltava a ver pela janela, à beira da estrada.

Todos os anos ele acreditara que ia ser diferente. Mas este ano já não. Percebeu que estava a andar em círculos. Mas não queria sair, não queria mudar. E ninguém me pode obrigar.

Então rezou para morrer no espaço, ou coberto de neve. Para ser transportado para um lugar silencioso e frio. Porque assim não sentia a diferença de temperatura.

E no fundo resumia-se a isso: não sentir. Esquecer o carro, a vertigem, a espiral. E, principalmente, não sentir falta da maçã vermelha que um dia segurou na mão. E que deixei partir.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

curta



"Volátil venenoso perturbador e a cura que não chega esse bálsamo apaziguador de que o pastor tão eloquentemente falou mas que te deve ter entrado a 100 e saído a 200 e hás de colher toda a solidão e trevas que plantaste a cada dia com as tuas palavras ácidas e silêncios gélidos.

Uma mãe não devia falar assim mas, naquela noite escura, ela teve de entrar no quarto e de lhe segredar ao ouvido tudo aquilo que ele pareceu desaprender com anos de entrega a si próprio e ódio ao mundo.

Porque tu não nasceste cego foi o mundo que te fez ficar assim o teu mundo sempre primeiro que o dos outros porque os outros não sabem como é não fazem ideia do que é nem nunca hão de fazer e ainda bem em vez desse desapego a todos apesar desse desapego a todos tu tens de viver por isso vive meu filho vive intensamente mesmo que doa porque ela não vai esperar por ti e não são pedras mas rosas que ela te pede e se deres pontapés pontapés recebes mesmo que essa lição te tenha sido ensinada ao contrário quando tinhas dez anos."



Já vejo a Ubume a pairar uns centímetros acima do chão de madeira,
longos cabelos negros a cobrir-lhe a cara, o tronco, os pés.
A pairar devagarinho sobre o corpo dele, deitado...
(cabelos que lhe fazem comichão nos braços nus)
e a segredar-lhe a verdade ao ouvido.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Romeu


(photo by me)


Uma noite destas encontrei isto no Bairro Alto.

E pus-me a pensar.

Há pessoas a quem dava jeito uma prótese de coração... talvez o plástico fosse melhor do que a rocha.

Ao menos o plástico derrete.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

life feeds on life



Há cerca de um ano escrevi sobre como as borboletas nas barrigas de uns são facadas nos estômagos de outros. Hoje apetece-me dizer que a vida é feita de ciclos que se repetem numa espiral infinita... e que quem não aprender com eles é burro.

Por isso, vivam os "fast learners", porque o futuro só a eles pertence. Inclusive o futuro comigo.