segunda-feira, 5 de março de 2012

paixões e revoluções

Ir a um concerto de Metal pode ser uma experiência enternecedora. Descobri isso este sábado, quando fui ver Shadowsphere ao S.Jorge (a primeira vez que tão digno espaço nos recebeu, aos guedelhudos vestidos de preto). Experiência enternecedora mais por culpa dos Bless The Oggs, a banda de abertura, do que propriamente dos experientes Shadowsphere. Ou mais por culpa até do público presente, do que da banda de abertura. 

Foi um concerto familiar, de netos e avós. De facto, a avó foi das primeiras pessoas em que reparei quando entrei na sala escura e ainda quase vazia. Quando começou o barulho, lá estava ela, em pé, a ver o presumível neto em palco e a pensar sabe deus o quê destes rituais de chinfrineira e cabelos a voar. Imaginei o que estaria a pensar e a sentir esta avó acerca desta realidade tão diferente das matinés dançantes, ou bailaricos populares do seu tempo. Afinal de contas, este também é o seu tempo (como diria uma pessoa que eu conheço). Mas como viverá ela esta passagem do tempo?

A par da avó, havia também uma presumível filha de um dos músicos em palco. Com os seus 10 anos? e de ouvidos protegidos pelas mãos da mãe, batia o pé e cantava em inglês a gritaria quase indecifrável da banda do pai.  Ou seria do irmão mais velho? Não interessa. Passei metade do concerto a pensar em como esta era uma experiência familiar, e ainda bem.

A outra metade do concerto passei-a a observar um dos guitarristas dos Bless The Oggs, um rapazola de óculos e cabelo encaracolado que personifica tudo aquilo que é o Metal (ou o Rock em geral), e ainda bem. Não sei se foi o seu aspeto desajeitado de adolescente a passar pela puberdade. Não sei se foi dos óculos, ou de ele estar a passar a "fase má" do cabelo - aquela em que o começam a deixar crescer e parece sempre que têm a cria de um animal peludo a viver em cima da cabeça (nuns dias mais aninhadinha, noutros mais irrequieta). 

Se calhar foi tudo isto ao mesmo tempo, mas a verdade é que o concerto foi uma experiência enternecedora. Com o seu ar de geek, cabelo pavoroso e óculos à cromo, ele estava a viver a sua paixão. Provavelmente é gozado na escola, mas o Metal é isso mesmo, ser-se aquilo que se quer ser e viver a sua paixão, seja de cabelos em fase má, corpetes pirosos ou botas que pesam 5kg. E ninguém tem nada com isso! Até porque, com os seus cabelos brancos, tosse cavernosa e olhos a brilhar por detrás dos óculos espessos, a avó também viveu um bocadinho ali, ao ver o neto em palco. E a miúda também. 

É uma pena que este tipo de união, que se sente em torno destas experiências de entretenimento e que também já senti no Wacken não se sinta, ainda, em relação a outras realidades de Portugal. Aos concertos e ao futebol vão avós, filhos e netos. Mas porque não nos unimos nós em torno daquilo que realmente pode mudar a nossa vida? Sim estou a falar de revolução outra vez. Será que a revolução já não nos apaixona? 

4 comentários:

Anónimo disse...

Todos os "guedelhudos vestidos de preto" que conheço são pessoas fofinhas e sensíveis - daí que não me tenha espantado a experiência enternecedora.
E também partilham, talvez apenas por acaso, esse mesmo espírito revolucionário!

Porque não nos apaixona a revolução?
Acho que é falta de alguém a quem seguir...

N.N.

Anónimo disse...

Estas vidas das revoluções tem que se lhe diga,não será só um interesse comum que nos motiva a vista,o ouvido,etc,e passadas umas horas,embora para a conversa com os amigos, na net ou nos bares.Podia tentar alinhar várias possíveis razões, numa tentativa para explicar essa falta de paixão,como v. diz,mas basta referir uma,talvez a mais decisiva a meu ver.Trata-se da ausência quase total e absoluta de formação politico-ideológica das últimas gerações.Mudar a organização politica,social e económica de uma sociedade doente,requer convicções ideológicas,definição de estratégias e coragem na acção,que não passa pela paixão,mas antes por uma formação intelectual consequente e sólida.Há quem lhe chame cidadania,eu prefiro formação ideológica,pouco interessa a designação,o importante é gerar desde cedo nos indivíduos,o sentido do social,o espírito crítico sobre o poder institucional,o reconhecimento das alternativas e a capacidade de acção sobre a realidade concreta.Estas,e outras mais exigências,só são possíveis com cultura,com saber politico-filosófico,com o conhecimento da história da humanidade.V. acha que isto existe nas gerações mais recentes?Francamente acho que não!E olhe que a culpa não é da malta nova,se bem que estes também deviam de abrir a pestana,e perceber que nesta tombola toda a gente se lixa,e que o assunto não pode só ser resolvido pelos paizinhos.

Reaccionário

chinfrim disse...

Pois é uma verdade e nunca tinha pensado nisto dessa forma. Em vez da odiada disciplina de Religião e Moral por exemplo, uma de educação cívica ou ideológica seria bem mais útil... e de facto há paixões que não nascem connosco, têm de ser ensinadas. Esta, pelos vistos, é uma delas. Olhe, fica na lista de coisas a ensinar aos meus filhos!

jp disse...

Desculpem lá,mas a paixão faz parte.
Bem mais do que alguém, ou a quem, seguir.

A paixão pela humanidade é que produz as ideologias: de cristo a ghandi, marx..., etc. O ódio, que tb é uma paixão , produz outro tipo de opções ideológicas.

Cá eu explicava a paixão às criancinhas.