terça-feira, 26 de junho de 2012

o futuro esquecido

Recentemente vi um artigo num jornal inglês em que o "jornalista" se indignava muito com a presença frequente de pessoas muito tatuadas, mais especificamente mulheres, no Royal Ascot (ao que parece, um evento chique de corridas de cavalos em Inglaterra). O autor do texto perguntava-se sobre como iriam estas mulheres viver no futuro, quando as tatuagens deixassem de ser cool, ou quando se apercebessem do "erro terrível" que tinham cometido na juventude.

Independentemente do que eu possa achar da opinião do jornalista, isto pôs-me a pensar no futuro. Não é só pelas tatuagens, mas na vida em geral, as pessoas da minha idade não pensam muito no futuro. Falo também por mim. E isso é que seria digno de um artigo, não uma opinião mesquinha de alguém que não vive bem com a estética dos outros (viverá bem com a sua?).

Não pensamos no futuro nem fazemos planos a longo prazo. O "viver junto", o casamento, os filhos são mais "coisas que acontecem" do que propriamente grandes planos de infância que se alcançaram com luta e esforço. As coisas não são tão planeadas como aqui há uns anos atrás, o futuro é esquecido. Porquê?

Alguns pais torturam-se com dúvidas e preocupações sobre quando será que o filho vai casar, ou a filha irá finalmente ter filhos. Talvez porque "no seu tempo" as coisas não fossem bem como agora. Vivemos uma época de instabilidade atroz, como eles também viveram (embora noutras circunstâncias, talvez ainda mais graves), mas com uma diferença: não há esperança. 

Já se sobreviveu à ditadura, os tempos de felicidade e fartura já chegaram - são estes, os que se vivem agora. Este era o sonho que os nossos pais tinham quando, aos vinte e poucos anos, adiavam a decisão de ter filhos para "depois da ditadura". O depois da ditadura chegou (e ainda bem), mas entretanto as coisas não correram bem. E agora o futuro é novamente negro, com a agravante de termos em cima mais uma desilusão, o "fracasso" de Abril.

Concluindo, as tatuagens, alterações permanentes do corpo, têm um valor e um peso diferente nas mentes dos jovens/jovens-adultos dos dias de hoje. Porque o amanhã é uma incógnita total. Não é apenas a ideia de podermos levar com um camião na manhã seguinte, mas é uma incerteza generalizada em relação ao futuro: não sabemos se vamos estar vivos, ter emprego, reformas, comida, metade do conforto de agora... por isso toca a viver o hoje. Hoje somos imortais, porque o amanhã não existe.

5 comentários:

Pequeno Cachalote disse...

Nada é certo na actualidade! Incerteza é o que caracteriza o futuro, não basta ser bom,muito menos fantástico, infelizmente, por vezes penso que estamos na selva!
http://aventuraspequenocachalote.blogspot.pt/2012/06/geracao-adiada.html
Quando vi a reportagem da TVI "Geração Adiada", também pensei nisso, no quanto o nosso futuro é incerto.
Nunca o Carpe Diem fez tanto sentido!

Anónimo disse...

Não concordo...
Os tempos eram muito mais incertos no tempo dos meus avós, e acho que ter filhos não eram decisões que se podiam tomar... Aconteciam mais por falta de alternativa/oportunidade que por outro motivo qualquer...
Hoje em dia temos escolha, não precisamos de mais mão de obra para a quinta, nem a nossa alimentação depende da chuva dos últimos dois meses...
Acho que o nosso futuro não é nem de longe tão incerto como já foi.
Talvez seja menos prometedor, isso sim.

N.N.

chinfrim disse...

"Incerto" ou "menos prometedor", para mim vai dar ao mesmo, pelo menos no que toca à reflexão que aqui escrevi.

Anónimo disse...

Desculpa, ontem interpretei algumas partes do que escreveste de maneira errada... Mas agora acho que já percebo o que queres dizer.
De qualquer forma penso que o amanhã sempre foi "uma incógnita total", mas enquanto antes se vivia na esperança de um futuro melhor (mais "prometedor"), agora - como escreveste - vive-se o hoje, sem contar com o amanhã, mas não porque não sabemos com o que contar, mas porque já temos uma ideia daquilo com podemos, ou não, contar amanhã.

N.N.

Anónimo disse...

Não penso que individualmente a atitude das pessoas seja tão diferente das da minha geração. Colectivamente sim, é substancialmente diferente.

Nós também não tínhamos muitos planos para o futuro, ia-se andando.
A relação afectiva, ou amorosa se quisermos, entre as pessoas era menos problemática. Não se complicava tanto, namorava-se, vivia-se juntos, casados ou não, vinham os filhos e era preciso criá-los.

À psiquiatrização da sociedade correspondeu uma prática de pôr em causa tudo e todos, às vezes demasiada intrusiva na vida normal das pessoas e geradora de bloqueios desnecessários.

Partir do principio de que o futuro é hoje mais negro do que há quarenta anos atrás parece-me demasiado pessimista, sendo certo que a esperança está muito por baixo.
Em primeiro lugar há que considerar que o mundo actual é muito melhor do que o anterior, se tivermos em consideração que o bem estar material dos povos é mais elevado e que a ciência teve enormes avanços. Depois, a democratização do ensino preparou uma sociedade muito mais instruída e qualificada.Em terceiro lugar, não é absolutamente nada despiciente o extraordinário desenvolvimento da comunicação, que torna possível às pessoas , em suas casas,informarem-se, participarem e intervirem em quase tudo o que quiserem.

Neste contexto, chego à conclusão de que é muito mais fácil ser-se jovem hoje do que anteriormente, pese embora os saudosismos bacocos que estou sempre a ouvir.

A questão reside não nas condições mas sim na sua aplicação, isto é, o que fazer com estas ferramentas.
Aí, já a articulação no colectivo é o fundamental. Perceber, reunir e encaminhar as pulsões da sociedade é comigo e convosco, talvez mais convosco, porque o vosso futuro é mais comprido e as vossa preparação é superior à da minha geração.

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